Áudio revela médica sugerindo que paciente agradeça na igreja após cirurgia desnecessária
Um áudio exclusivo obtido pelo g1 Paraná revela um momento chocante no qual a médica Carolina Fernandes Biscaia Carminatti, sob investigação por supostamente fornecer diagnósticos falsos de câncer e recomendar cirurgias não essenciais, aconselha uma paciente a expressar gratidão na igreja pela remoção de um suposto melanoma – uma forma agressiva de câncer de pele – que se provou ser falso. Ouça o áudio abaixo.
“Não sei se você é católica ou não, mas passe na igreja e agradeça a Deus, há coisas assim pelas quais devemos ser gratos, sabe? Temos que ser gratos, porque, como eu disse, a chance de isso ser [um melanoma], neste estágio em que apenas ampliamos a margem e está curado, é uma dádiva […]. Não precisa se preocupar com metástase”, disse a médica.
Modus operandi da médica, de acordo com a polícia
Até o momento, a investigação revelou que durante consultas, a médica examinava sinais e manchas nos pacientes, afirmando que alguns poderiam ser cancerígenos. Em seguida, ela realizava procedimentos de remoção e enviava amostras para laboratórios.
Segundo a investigação, na consulta seguinte, ela apresentava ao paciente um laudo falso, diagnosticando câncer de pele, e então realizava uma ampliação da margem – um procedimento no qual uma porção maior de pele é removida na área suspeita de conter células cancerígenas.
A conversa gravada
A gravação foi feita pela vítima em janeiro de 2024, por precaução, pensando em compartilhar o material com familiares, dado seu histórico de melanoma em 2013, que continuava sendo uma preocupação.
A vítima percebeu o diagnóstico falso ao encontrar inconsistências no laudo apresentado por Carolina, comparando-o com o documento obtido diretamente do laboratório.
Após a descoberta, a gravação tornou-se evidência para a investigação.
A pedido da médica, a vítima foi submetida à ampliação da margem. No caso dela, a falsa doença foi identificada na perna esquerda.
Na gravação, Carolina afirma que a vítima tem 70% de células malignas e a repreende por não se cuidar adequadamente.
“Agora, sei que talvez você se preocupe mais com a cicatriz. Mas agora vamos pegar essa lesão aqui e fazer tanto a ampliação radial, lateral, quanto a ampliação profunda. Então, a cicatriz vai ficar um pouco maior, mas isso é insignificante comparado ao que poderia ser”, disse Carolina à paciente.
Na gravação, a médica também garante que o procedimento eliminaria a necessidade de preocupação com metástase.
“Não precisa se preocupar com metástase, vamos apenas ampliar a margem aqui. Estou extremamente feliz, radiante de felicidade, por isso pedi para você passar na igreja e agradecer. Minha única preocupação era ligar e você não vir ampliar a margem o mais rápido possível”, disse Carolina, enquanto a vítima chorava.
Em outro trecho da consulta, Carolina revela ter tido melanoma e perdido familiares para a doença, tentando tranquilizar a paciente com a descoberta precoce.
“Tenho síndrome do melanoma familiar, perdi uma avó e um primo por melanoma, porque Deus não nos deu a chance de detectar uma lesão no estágio em que detectamos a lesão de [nome da paciente]”, disse a médica.
“Me identifiquei muito com você. Quando você falou ‘eu tenho meu filho’ e eu pensei ‘Meu Deus, eu tenho meus filhos’, entendeu? Me coloquei no seu lugar”, acrescentou Carolina.
Médica diz que chamou mais pacientes ao consultório
Na mesma gravação, a médica informou à vítima que estava ligando para todos os pacientes com melanoma para comparecerem ao consultório e realizarem o procedimento.
“Marquei todos os meus pacientes para a tarde porque estou tratando todos os meus pacientes com câncer de pele. Estou louca agora. Você viu que liguei para você? Estou ligando para eles para virem, porque senão não vêm, acham que não é algo sério”, disse a médica.
Médica sem especialidade
Nas redes sociais, Carolina se apresenta como dermatologista, uma especialidade que não possui, de acordo com o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
Por anunciar uma especialidade que não possui, ela foi punida com censura pública pelo conselho.
Agora, o CRM investiga em outro processo a suspeita de emissão de laudos falsos.
Consequências legais
Criminalmente, se comprovada a fraude, a médica pode responder por crimes como estelionato e lesões corporais. As penas somadas podem chegar a seis anos de prisão.